Além dessa imersão que nos instiga a pensar historicamente, absorvidos pela empatia que criamos com a obsessão de Paulo por esse dia que nunca acabou, o livro apresenta, já em sua introdução, elementos que certamente ajudarão o leitor/professor que deseje organizar sua sequência didática, contemplando as categorias temporais como elementos para o desenvolvimento do raciocínio histórico. Nesse sentido, ao comparar passado e presente, é fundamental observar como cada contexto se relacionava com seu espaço de experiência e seu horizonte de expectativas. Conhecemos tanto o processo que levou a constituição daquele evento, como a repercussão que se seguiu a ele, com toda a “mitologia” que se cercou àquele jogo. Além de uma ótima opção de leitura para a compreensão de um tempo em que transformações fundamentais marcaram a sociedade brasileira; o livro, assim como o conto, indicam caminhos para debates em sala de aula, combinados a exibição do filme “Barbosa”. Vou apontar alguns.
Embora o roteiro do filme tenha sido construído com base na sequência de ações antecipadas no conto “O dia em que o Brasil perdeu a Copa”, há diferenças que podem ser exploradas em um estudo comparativo entre as duas obras, o que é uma operação intelectiva fundamental no processo de desenvolvimento das competências relativas a área de Linguagens e Códigos. Nesse caso, à princípio já teríamos ao menos três gêneros textuais: o filme, o roteiro escrito para o filme e o conto propriamente dito. Seria muito interessante pensar, com os alunos, de que maneira essas diferenças entre um e outro texto vão dando forma e características próprias a cada linguagem, embora tratem, em tese, do mesmo conteúdo.
Por exemplo, há trechos do conto que são reproduzidos ipsi literis no filme: “O mundo, que parecia ser fiel e submisso aos meus desígnios, relevou-se de subido contingente e absurdo”. No texto original, acrescenta-se uma marcação temporal: “naquele 16 de julho de 2020”. No filme, a alusão a data já havia sido feita com o uso de imagens e na voz de um locutor e do prefeito do Rio de Janeiro, então capital brasileira, lembrando que estavam ali em função da aguardada vitória brasileira na partida final da Copa do mundo. Penso ser construtivo, conduzir o aluno a perceber essas sutis diferenças, e leva-lo a entender como cada suporte textual usa artifícios e fornece pistas para compreender o encadeamento lógico da narrativa. Nesse caso, a localização temporal.
Além disso, há elementos que pontuam distinções factuais entre o conto e o roteiro do filme (por consequência, o próprio filme), como a existência da máquina do tempo. No conto sabemos que o personagem a comprou em uma loja de relíquias na Califórnia, informação subtraída do roteiro, que sugere, pela ausência de informações específicas, que Paulo teria, ele próprio, inventado a máquina do tempo.
No que se refere a comunicação entre o texto e o leitor/espectador, vemos que no filme as falas de Paulo são em OFF, ou seja, ouvimos sua consciência, salvo à exceção de quando ele grita tentando chamar a atenção do goleiro Barbosa. No texto escrito temos o que se chama discurso indireto. Embora exista a fala diegética, como no filme; neste há uma combinação de sons ouvidos de fato: radialista, prefeito, torcida; uma polifonia que nos causa a impressão de realidade.
Embora não pretenda pormenorizar aqui todos os possíveis tópicos que podem ser explorados pelos professores, quero pontuar um que considero essencial. Como arte visual, o cinema evita (o bom roteirista deve se preocupar com isso) produzir no público uma sensação de ver algo redundante. Em síntese: o que está sendo mostrado não precisa ser dito. No caso de “Barbosa”, é interessante instigar a percepção dos alunos sobre como no filme não houve uma preocupação em dizer que Paulo teve que vestir roupas da época, assim como levar cédulas que circulavam em 1950, pois as imagens já dão a entender isso.