Ou seja, assim como no mundo em que vivemos atualmente, existe uma forte desigualdade: alguns privilegiados possuem muito mais tempo, por isso vivem mais confortavelmente, pois não se sentem pressionados pela morte iminente se pararem de trabalhar, embora desejem acumular ainda mais. Os “milionários” possuem centenas de anos. Dessa forma, o sonho de consumo será possuir tempo para fazer o que se gosta. Nesse sentido, soa incomodamente comum ouvir Will dizer “eu não tenho tempo”. Embora dito em um contexto narrativo que expõem radicalmente seu sentido, a ideia de possuir o tempo, ou ao menos não sentir-se aprisionado pela sua inexorabilidade, soa como uma ideal de vida. Muita gente sonha em viver muito depois que se aposentar. Porém, mesmo assim, já estarão velhas e com muitas limitações físicas.
No futuro imaginado pelo enredo do filme, envelhecer não será um problema. No entanto, não poderão se aposentar, pois como ganham muito pouco, precisam sempre trabalhar para acumular mais tempo. Ou seja, as pessoas vivem em função do tempo, do qual nem mesmo vão poder usufruir. Poder aposentar-se, ao menos gera uma expectativa a longo prazo, algo para fazer no fim da vida. No filme, como as pessoas que sobreviverem se manterão jovens e fortes, não precisarão se aposentar. Portanto, não podem deixar nada para fazer depois. Tudo tem que ser feito baseado no tempo que lhes resta de vida, que será sempre o mínimo possível.
Como a maioria dos personagens são operários e recebem pouco pelo trabalho, vivem permanentemente angustiados com a marcação do cronômetro regressivo implantado no braço. Há muitas referências no filme ao fato de se sentirem atrasados ou não terem tempo para fazer as coisas de que realmente gostam, como quando Will diz a sua mãe que não tem tempo para namorar. Lamentando o pouco tempo que resta no cronometro do filho, ela passa para ele (sim, no universo ficcional da obra, é possível transportar tempo de uma pessoa para outra) trinta minutos para “um almoço decente”, embora também não tenha muito tempo. Essas e outras situações vão despertando uma série de reflexões, até mesmo de ordem semântica, a exemplo da maneira como nos expressamos em relação ao tempo. Geralmente dizemos que temos ou não temos tempo. É comum ouvirmos alguém pedir um pouco do tempo da outra, ou até mesmo há quem proclame que não tem tempo para gastar com coisas inúteis, etc. De certa maneira, o tempo é um valor, que mesmo abstratamente, quantificamos e qualificamos, pois temos a noção de procurar usá-lo produtivamente.
Como vantagem, podemos reconhecer que os personagens do filme não envelhecem, permanecendo sempre jovens. Assim, mãe e filho parecem ter a mesma idade. O que pode ser uma alusão ao desejo humano de que o tempo vivido não se reflita na sua aparência. Muitas pessoas, inclusive, sentem-se constrangidas em revelar a idade. Na diegese da obra, o processo de envelhecer até os vinte e cinco anos é um tempo feliz, em que não se sentem pressionados, numa espécie de infância e adolescência. A partir daí, todos são absorvidos pelo cotidiano do trabalho, em que só haverá tempo suficiente para produzir mais tempo, que é também consumido em sua produção, o que é um paradoxo.
Nesse tempo de evanescência constante, “ganhar o dia” é nascer de novo. Por isso, de que serviria o passado, se o presente precisa ser fabricado e “aproveitado” tão rapidamente? Simplesmente não é possível ficar refletindo sobre algo que passou, que pudesse, quem sabe, explicar o mundo em que eles vivem, e não é mensurável um futuro que dificilmente eles poderão fabricar. Esse sentimento vai convencendo que a vida é, essencialmente, brevidade. Um ciclo de vinte e quatro horas. Uma ininterrupta corrida atrás do coelho branco. Assim, se o objetivo é que corram atrás dele, provavelmente nunca o alcançarão. Afinal, qual o sentido do passado, se não haverá futuro? No universo mental presentista, o sentido é a busca de sentido. E a felicidade está em controlar a ansiedade, abstrair-se das expectativas e mergulhar na experiência do agora mesmo. Afinal, o presente é tudo o que existe. E é preciso pagar por tudo.
E qual é, em verdade, o grande prêmio que recebemos após onze meses de trabalho? Tempo. Pois teremos direito a usufruir de trinta dias “livres” do trabalho. Nas ruas do gueto onde as pessoas com pouco tempo vivem, vemos funcionar uma agência que empresta tempo, uma espécie de banco do tempo. Como descobriremos depois, o objetivo de Will será apropriar-se dessa reserva e distribuí-la entre o povo, libertando-os da opressão que se pauta pelo controle do tempo das pessoas, que é produzido também a partir da manipulação dos preços.
Por exemplo, um café custa quatro minutos. Diante do incômodo dos personagens ao ver que o preço aumentou em um minuto, o vendedor pergunta se eles vão querer o café ou preferem lembranças. Não há titubeio. Para que serviriam essas lembranças? É muito improvável que todo indivíduo, em um dado momento não se tenha perguntado a si mesmo quanto tempo não teria trabalhado para comprar determinado objeto, ou mesmo quanto tempo precisa trabalhar para fazer aquela viagem dos sonhos. E se parássemos imediatamente de trabalhar, por quanto tempo conseguiríamos continuar vivendo com nossas economias?
Em “O preço do amanhã”, o fato das pessoas não terem tempo para nada a não ser trabalhar para produzir a sua sobrevivência, faz com eles sequer sejam capazes de questionar a razão das coisas serem como são, como o mundo se transformou naquilo que ele é. Will já tinha avisado isso na introdução do filme. Vejo essa “mensagem” de forma positiva e explico o porquê. Imagino que Will está falando comigo, que vivo agora no ano de 2020, e sabe que nossa geração ainda sente necessidade de entender por que as coisas se transformaram no que são. E que, sendo assim, vamos estranhar ver o mundo permeado por singularidades, as quais não conseguiremos relacionar com o tempo em que vivemos, como o fato das pessoas não envelhecerem depois dos vinte e cinco anos. Por isso, no começo do texto, escrevi que Will nos frustra, pois ele logo diz que não sabe explicar, e acrescenta que não tem tempo para procurar saber. Mas será que Will um dia ficou com vontade de saber? Uma das categorias a priori do conhecimento é a sensação de causalidade. Impulsivamente desejamos saber a razão que dá causa aos fenômenos. Mas é possível que sejamos condicionados com o passar do nosso tempo de vida, a não se importar mais?
Diante disso, penso que devemos fazer uma reflexão: se quando só temos tempo para trabalhar e produzir nossa sobrevivência, em tese, não poderíamos nos ocupar com o estudo da história, reflexões filosóficas, ou coisas do gênero, até que ponto não estamos reproduzindo dentro das escolas essa lógica? Como o tempo é distribuído no ambiente escolar, e como isso afeta os alunos? Quanto tempo é realmente reservado para que eles possam efetivamente pensar? Será que quando impomos tantas tarefas, com tantas aulas no mesmo dia, não estamos condicionando os alunos a acumular apenas mais conteúdos, como as pessoas geralmente procuram acumular dinheiro, ou no caso de “O preço do amanhã”, o tempo? É preciso questionar se o excesso de conteúdos a que os alunos estão submetidos não irá desencadear uma sensação de perda de tempo em relação a saber a razão de tudo aquilo. Posto que é muito raro que os conteúdos sejam devidamente amparados em um antes e um depois. O importante é “aprendê-los” e pronto.
Imaginemos então, uma disciplina cujo objeto de estudo na maior parte das vezes seja justamente o passado, uma coisa que aparentemente está desvinculada das ações do cotidiano. Como fazer esses jovens saírem do universo do agora, e perceber que o horizonte a que tanto buscam, mas nem sequer o veem, pode estar também naquilo que aconteceu há muito tempo, e que tem tanta relação com a sua vida quanto os desejos que ele é orientado a ter? No filme há uma situação específica que muda tudo para Will. Ao salvar uma pessoa que possuía mais de cem anos de vida, ouve dela que foi criado um mecanismo que permite que algumas pessoas vivam muito mais e outras morram ainda jovens porque, segundo lhe foi explicado, não haveria espaço para todos. E, quando dorme, o estranho lhe passa praticamente todo o seu tempo de vida. Pronto, tudo muda.
A partir daí Will não terá que trabalhar ininterruptamente, pois o tempo não será mais um problema (a não ser evitar a cobiça dos outros por ele, é claro) e como foi acesa uma centelha sobre o motivo do mundo ser como se apresenta a ele desde que nasceu, irá em busca da “verdade”, o que causou tudo isso. Por que vivemos assim? A saga dele agora não será simplesmente saber isso, mas, quem sabe, transformar a realidade. Portanto, para Will, o que de fato o impactou foi saber que as coisas um dia não foram assim, e que poderiam ter sido diferentes. O tempo não era uniforme e circular como ele imaginava, e que as coisas podiam não ser como são.
Todavia, o imediatismo das relações humanas na contemporaneidade e a urgência de suprir as demandas a que somos submetidos no trabalho, na escola, parecem forçar um permanente olhar para a ação. Essa horizontalidade temporal presentista torna evitável e por que não dizer, dispensável, aprender qualquer coisa além de como fazer. Assim como o personagem Will, não precisamos saber porque, nem quando. Como se faltasse à experiência uma causa, um encadeamento temporal. Por mais que o cotidiano seja circular e recorrente, o que o torna singular é a pressão por viver o momento como se fosse o último, e toda a intensidade do ato estivesse condicionado a sua natureza pretensamente extraordinária.
Uma das características mais evidentes dos personagens do filme é estarem as pessoas sempre com pressa, principalmente as que vivem na zona de tempo correspondente, no nosso mundo atual, aos bairros pobres de periferia. A vida deles gira basicamente em torno da produção de mais tempo para viver. E por mais que consigam alguns anos, haverá sempre a sensação de que é preciso ter mais para se sentir seguro, o que nunca acontecerá, nem entre os mais ricos. À despeito da clara relação entre tempo e dinheiro, e admitindo que essa é a metáfora mais explorada na obra, interessa-nos observar que, seja no “mundo real” ou no universo da narrativa ficcional, em busca de tempo ou de dinheiro, as pessoas estão condicionadas a se sentirem permanentemente absorvidas pela sensação de estarem em uma montanha-russa, girando apressadamente em torno de si.
Essa vida frenética não dispensa a memória nem as demandas pessoais em relação ao futuro, mas as torna experiências circunscritas a uma escala menor de tempo. Pois, tudo que é mobilizado, no que se refere as noções de passado e futuro, estão restritas as relações diretamente estabelecidas entre a ação e suas consequências imediatas. Uma memória meramente operacional e uma perspectiva tão somente pautada pelo desejo. Esse talvez seja um desafio fundamental para a aprendizagem histórica atualmente: acreditarmos na própria existência dessa experiência para além das ações do cotidiano. Aprendermos a pensar sobre o hoje sob o prisma de uma amplitude temporal maior, reconhecendo nossa imersão em uma rede de relações diacrônicas.
E diga-se também, as ações não estão desvinculadas de responsabilidades. Um dos perigos da mentalidade presentista e que justifica sua efetiva discussão em sala de aula é a sensação de desapego às preocupações em relação às consequências futuras de atitudes que visam a suprir freneticamente as “necessidades” do hoje. Crises econômicas globais que afetam bilhões são geradas pela especulação de um mercado financeiro que lida cada vez mais com uma economia de fantasia, na qual dinheiro sem lastro é negociado a fim de gerar lucros da noite para o dia, à revelia de um sistema produtivo dito tradicional, que pressupunha maior espaço de tempo para produzir efeitos. Ao contrário de um agricultor, ou de um pequeno comerciante, que precisam realizar uma série de tarefas, ao longo de semanas ou meses, para gerar acúmulo de capital; no mercado financeiro, pode se ficar rico ou pobre em frações de segundo, por ação de apenas alguns cliques. O dinheiro nem precisa sair fisicamente de um lugar para outro. As criptomoedas o tornam quase abstração, como o tempo. Portanto, quase não vemos aquilo que produzimos, não sentimos o seu tamanho, a sua textura, passamos a viver de sensações. E a principal delas é achar que não se tem tempo. A meta não é mais se tornar rico um dia, mas conseguir isso ainda jovem.
Outra característica desse regime de historicidade presentista é o consumismo. É no consumo em massa de supérfluos descartáveis e substituídos a cada nova moda ditada pelo mercado, que as recorrências são travestidas de singularidades. O evento da aquisição de um novo modelo de celular parece marcar definitivamente a entrada do indivíduo na modernidade. Esse fenômeno se repetirá ao longo de sua vida, reforçando a sensação de se conseguir acompanhar o coelho branco que marca o tempo do progresso e da capacidade das pessoas de estarem na vanguarda, concretizando no presente seu pertencimento pleno no universo da expectativa coisificada, coisificando a si mesmo e o próprio tempo.
Ao sugerir o tema do presentismo como reflexão na aprendizagem histórica, o objetivo é fomentar um debate sobre o valor da história hoje e a necessidade de reposicioná-la diante dos desafios enfrentados pelos professores vivendo em um tempo autorrealizado. A experiência pedagógica com o ensino de História, principalmente no espaço escolar, sofre uma forte influência dessa mentalidade presentista. Mas talvez para alguns não haja uma percepção clara desse problema pelo fato de se encarar certa aversão ao estudo do passado como algo comum.
Sim, é possível que sempre tenha havido por parte dos alunos, em qualquer lugar, um desinteresse pelo estudo de outros tempos além do nosso, mas é importante pensar sobre como a mentalidade presentista pode estar contribuindo negativamente para isso. Essa ansiedade por não “desperdiçar” o tempo. De viver plenamente o aqui e agora, um carpe diem moderno, temperado por altas doses de inconsequência, em um tempo em que temos plena consciência do que isso pode acarretar para as futuras gerações. Na verdade, muito pouco se pensa no futuro como um horizonte, ele é muito mais um produto para ser vendido agora, ou até mesmo um valor agregado a esses produtos. É por isso que as pessoas guiam carros do futuro e matriculam seus filhos na escola do futuro. Afinal, não se deve deixar para fazer depois o que se pode fazer agora, ainda mais se pudermos juntar as duas coisas.
Porém, o que vemos no filme “O preço do amanhã” é muito mais o passado do que o futuro. Principalmente a partir da revolução industrial, e sofisticado a partir do taylorismo. No filme, uma realidade é mostrada como um elemento de transcendência. Em meio a repetições e singularidades, a permanência das relações sociais advindas da modernidade, ou seja, o escambo do tempo, ou a substituição de certa quantidade de horas por um preço material contratado. O grau de valoração desse intervalo diário de tempo impacta diretamente nas condições gerais de sobrevida do ser humano, reverberando em sua ação social, limitando sua existência à produção de sua mera continuidade. Will passa a ter uma outra visão de mundo quando tem tempo para pensar nele e tentar mudá-lo. Sendo assim, a melhor forma de mantê-lo como está é não permitir as pessoas terem tempo. Por isso, a ociosidade é vista como uma doença, um mal a ser extirpado do corpo social. Trabalhar pouco é sinal de preguiça. É preciso ocupar o tempo. Diz o ditado: “cabeça vazia, caldeirão do diabo”. Sendo assim, é preciso estar com a mente e os braços sempre ocupados. Os baixos salários são uma forma muito eficaz de manter esse mecanismo funcionando. Então, pergunto mais uma vez: por que mantemos nossos alunos sempre tão ocupados com atividades repetitivas?
A aceleração do tempo histórico, o frenesi e a compulsividade das transformações orientadas pelo ideal de progresso, guia e organiza as relações sociais e suas práticas cotidianas. Sob o ritmo das mudanças, altera-se o impacto e o sentido do passado para as novas gerações, que atribuem a ele, valores relativos às suas necessidades e conveniências. A mentalidade presentista não exclui o passado, mas faz dele um objeto exótico, um tempo superado, a alimentar os paradigmas da vanguarda. O presente basta-se e dispensa a diacronia, reduzido a uma temporalidade contínua, desvinculada dos seus marcos de alteridade. O problema da mentalidade presentista precisa ser considerado em sala de aula, pois constitui um obstáculo ao ensino de História.
É provável que estejamos já tão condicionados a pensar e agir apressadamente que muitos já nem mesmo são capazes de perceber isso. Will, mesmo depois de já ter recebido um século de vida, sem querer continua agindo de forma frenética, alimentando-se com rapidez e olhando frequentemente para o braço, conferindo o tempo que lhe resta. Pois é difícil deixar de agir compulsivamente depois de tantos anos vivendo dessa maneira. Por isso, é importante lembrar que a sala de aula deve ser um contrapeso a essa realidade. Ofertando ao aluno ferramentas para se questionar esse comportamento, não reproduzi-lo, sendo apenas o reflexo do seu imediatismo pragmático. Afinal, o mundo não foi feito ontem, nem acabará amanhã. Essa visão de mundo em que se reduz a perspectiva de tempo, não haveria sentido existir aulas de história.
Ao pensar sobre essas questões, lembro de uma passagem do artigo “O que a história tem a dizer-nos sobre a sociedade contemporânea?”, do historiador Eric Hobsbawm: “É inevitável que nos situemos no continuum de nossa própria existência, da família e do grupo a que pertencemos. É inevitável fazer comparações entre o passado e o presente: é essa a finalidade dos álbuns de fotos de família e de filmes domésticos. Não podemos deixar de aprender com isso, pois é o que a experiência significa. Podemos aprender coisas erradas – e, positivamente, é o que fazemos com frequência, mas se não aprendemos, ou não temos nenhuma oportunidade de aprender, ou nos recusamos a aprender de algum passado algo que é relevante ao nosso propósito, somos, no limite, mentalmente anormais. ‘Gato escaldado tem medo de água fria’, diz o velho provérbio – acreditamos em seu aprendizado a partir da experiência”.
Diante das observações que fiz ao ver o filme, e do que escreveu Hobsbawm, entendo que temos dois grandes desafios, nós professores e estudantes de História: primeiro não sermos convencidos de que o único tempo que nos ajuda a entender a realidade é o que agora se apresente diante de nós; mas, sequer poderemos reconhecer isso se estivermos (e impusermos aos nossos alunos) com uma excessiva carga de conteúdos sob nossos ombros, que nos tire a chance (e o tempo) de pensar sobre eles, de produzir uma reflexão histórica sobre o tempo em que vivemos e sua vinculação com o passado e com o futuro, que aliás, vivemos como memória e expectativa. É preciso termos tempo para pensar sobre essas questões. Como nos lembrava Perrenoud, cabeças feitas valem mais que cabeças cheias. Caso contrário, desperdicemos nosso tempo... à procura de tempo.
O preço do amanhã é um filme que, à primeira vista, serve a uma reflexão sobre o capitalismo, com todas as suas metáforas sobre dinheiro e acumulação. Porém, mesmo não excluindo esse viés interpretativo, o roteiro prima por exacerbar um aspecto mais específico e determinante desse universo, a economia do tempo. A maneira de enxergá-lo e significá-lo mudou em consonância com as necessidades objetivas de sobrevivência.
O tempo passa a ser metrificado e calculado segundo a chamada lógica da otimização, em que os custos (incluindo os de vida) tomam como referencial o período em que as pessoas serão “economicamente ativas”. Portanto, precisam abrir mão do tempo em longos períodos para que, quando não forem mais capazes de produzir, elas sejam, enfim, libertadas para usufruir dele. Quantas vezes não ouvimos expressões como “estou com tempo livre agora”? Pergunto-me o que seria o seu contrário.
Embora no corpo do texto principal eu imagino que já tenha deixado suficientes pistas para mostrar como podemos discutir as noções de tempo e os perigos desse universo presentista para o estudo crítico dos conteúdos, e uma desvalorização da história, meu desejo nesta parte final é jogar luz sobre esse questionamento que fiz: quanto tempo o tempo tem na sala de aula? Pois, vejamos que, se os referenciais norteadores do ensino de História no Brasil há muito defendem um aprendizado significativo dos conteúdos, e estes como sendo meios para que se produza uma reflexão histórica, e não a simples memorização e acúmulo de informações sobre o passado, porque as aulas ainda estão preenchidas basicamente com narrativas cada vez mais extensas sobre factualidades? O que se está produzindo com o tempo que temos na escola?
Ouço de muitos professores que não dá tempo passar um filme para os alunos, pois precisam dar conta da explicação dos conteúdos do livro didático. Ou seja, na prática a missão dos professores é essa. Isso explica com muita ênfase o porquê da ausência de um ensino que procura desenvolver habilidades e competências que promovam o raciocínio histórico. Pois, vou ser bem elementar nesse desfecho, imaginemos que para usar “O preço do amanhã” em sala de aula, precisamos ter tempo disponível para vê-lo com os alunos e discutir sua mensagem. Mas, como deve ter ficado bem nítido ao longo do texto, ele não se refere a nenhum conteúdo diretamente. Se a resposta para esse problema for: não dá tempo, isso explica muita coisa. Referências para a obra dos dois autores citados no texto: HOBSBAWM, Eric. Sobre História. 6ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 36-37. PERRENOUD, Philippe. Como construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999.