Nos tempos do cinema
janeiro 7, 2020
Construindo uma linha do tempo com o cinema
janeiro 7, 2020
 

Cinema e contemporaneidade


Como salientei no texto de abertura dessa seção, o objetivo aqui é fazer a divulgação das investigações que realizei em sala de aula à respeito do uso didático-pedagógico de filmes, especialmente no sentido de desenvolver a competência de pensar historicamente dos alunos. Sendo assim, todas as atividades foram sempre pensadas para que o recurso fílmico fosse utilizado como forma de estimular o raciocínio histórico, nunca para ser apenas um meio de ilustração dos conteúdos e/ou para os tornar mais “atraentes” para os alunos. E como na postagem anterior fiz referência a um conjunto de experiências em torno da Educação de Jovens e Adultos, faço menção desta vez a um trabalho realizado na escola Afonso Tavares de Luna, no município de Brejo Santo, interior do Ceará, com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental.
 

Assim como na modalidade presencial da EJA, o trabalho que desenvolvi e que agora relatarei, partiu de um projeto à médio prazo, já que se estendeu por dois anos, envolvendo quatro salas do nono ano, em que, nos anos de 2015 e 2016, coordenei o projeto Cinema e história contemporânea, que tinha entre outros objetivos, promover um estudo da história que envolvesse o contato com outras fontes e linguagens. Além disso, pudesse instigar os alunos, através de um estudo comparativo entre o conteúdo apresentado no livro didático e nos enredos de cinema, a percepção de como se dá a construção das narrativas, sobretudo despertando neles a compreensão do próprio fazer histórico, especialmente no que se refere a produção de sentidos sobre o passado.

 

Já naquele momento, procurando explorar aquilo que posteriormente seria o foco da minha pesquisa de mestrado, ou seja, a compreensão e apropriação das categorias e noções de tempo, procurei fomentar nos alunos a necessidade de observar nas fontes cinematográficas a sua relação com o tempo da produção das obras, como elas dialogavam com as demandas do presente que as criou, e como esse tempo “conversava” com o conteúdo que estava sendo representado. Para isso, sobre um mesmo tema, a ideia foi apresentar diferentes formas de narrativas a partir de filmes realizados em décadas distintas, e acabamos por fazer um recorte temporal que privilegiou os últimos setenta anos, ou seja, a partir dos eventos relativos a Segunda Guerra Mundial, já que existe uma gama muito maior de obras que abordam esse período.

Um aspecto importante da abordagem que usei, foi ter dedicado alguns momentos a discussões sobre a produção de filmes sobre com históricos. É uma convicção minha, embora pautado nas ideias sobre letramento histórico de Peter Lee, que ao estudante não basta saber o que aconteceu, pois para compreender o passado, é importante entender como se produz um conhecimento sobre ele. Nesse sentido, procurando evitar que a aula se pautasse por uma reflexão teórica mais abstrata, preocupei-me em demonstrar aos alunos de que maneira podemos utilizar o filme para observar como se constitui um discurso sobre a história, e que o fato histórico existe em função de um objetivo de preservação do evento, que por natureza, está relacionado a interesses do presente.

 

Acredito que essas discussões se fizeram necessárias porque, nessa experiência em particular, nenhum dos filmes foi exibido integralmente em sala de aula. Sendo assim, creio já ser a hora de explicar como essa dinâmica se processou. Já que as temáticas citadas acima geralmente são posicionadas na parte final do livro didático, o projeto teve sua culminância no segundo semestre letivo de cada ano. Antes, portanto, de encerrarmos o primeiro período, as turmas eram divididas, e cada equipe recebia alguns filmes sobre o conteúdo que havia ficado sob sua responsabilidade estudar. Temas como Guerra Fria, permitiu-nos a escolha de vários filmes que abordavam direta ou indiretamente o conflito.

Nosso objetivo durante o segundo semestre foi estudar cada um desses conteúdos a partir de uma perspectiva comparada, ou seja, debateríamos as informações presentes no material didático; porém, a equipe responsável por determinado tema, teria como missão fazer uma montagem com as cenas e/ou sequências dos filmes que nos permitissem estabelecer uma analogia entre a maneira como o livro narrava os eventos e como os filmes os representavam. No entanto, o objetivo dessa “comparação” era principalmente ressaltar as diferenças de abordagens e de como cada uma delas produz uma determinada compreensão sobre os fatos.

Pois como foi ressaltado pelos alunos, ver as imagens provoca um impacto diferente. Segundo suas palavras, reforçava a ideia de que as coisas realmente teriam acontecido. Entretanto, o mais significativo foi perceber que eles se atentaram para a existência de várias maneiras de narrar o passado, e que isto está relacionado não só ao suporte de apresentação das informações, mas ao que se deseja dizer e para quem. Além disso, é muito interessante como a utilização de filmes como Rocky IV (1985), associado geralmente ao mero entretenimento, instigou os estudantes a compreenderem como um filme também é uma ferramenta de propagação de ideias, o que me permite dizer que avançamos um degrau no sentido de um letramento das imagens em sala de aula.

 
Obviamente, todas essas questões conduziram os debates a ideia de uma possível verdade na história, assim como também a compreensão de como o tempo histórico é reconstruído pelas narrativas dos filmes, já que uma das discussões mais interessantes que os filmes nos permitiram travar foi a maneira como a narrativa condensa o tempo, pois muitos anos podiam ser resumidos em duas horas de projeção. Isso permitiu que percebêssemos que no livro didático as informações também são organizadas a partir de uma narrativa, que da mesma forma que o filme, também faz uma representação do tempo, sobretudo na sua tentativa de estabelecer um vínculo entre passado e presente.
 
É muito difícil resumir a dinâmica de debates que ocorreram durante muitos meses. Porém, em síntese, foram essas as preocupações e as experiências fundamentais desse projeto. Para maiores esclarecimentos e debates, fiquem à vontade para entrar em contato comigo. No próximo texto, vou reportar uma atividade desenvolvida com a modalidade semipresencial da Educação de Jovens e Adultos. Até a próxima!
Comentários